Nascimento do Federalista

“Após ouvir tudo isto, talvez decida olhar para o outro lado. Mas nunca poderá dizer que não sabia”

William Wilberforce – 1759-1833 – político reformador britânico que aboliu a escravatura, em pronunciamento no Parlamento.

 

Em 17 de outubro de 1991 nascia o Movimento Federalista em Curitiba. Na época, eu presidia uma entidade de desenvolvimento de jovens lideranças e, uma vez que percebi que a causa dos problemas brasileiros estava no modelo de Estado, tudo muito centralizado, consegui convencer os meus pares da Câmara Junior Empresarial de Curitiba, uma entidade formadora de jovens lideranças ligada à Junior Chamber International, a aceitar o lançamento de um Manifesto à Nação. Nesse Manifesto, demonstramos a relação de causa e efeitos e a proposta de uma “Confederação de Estados”. O Manifesto foi apresentado em uma coletiva à imprensa local, o que provocou uma série de entrevistas e debates com membros de movimentos separatistas e de membros do status quo – políticos e governantes, em rádio e televisão. Experiências que muito me ensinaram.

Enviamos também, cerca de três mil exemplares do tal Manifesto, para todos os deputados federais e senadores, governadores, líderes sindicais patronais e de empregados, diversas entidades de classe em todo o País. A primeira ficha caiu com o recebimento de cerca de seis – é, meia dúzia mesmo – manifestações em resposta, com mensagens lacônicas do tipo “seu assunto foi encaminhado ao departamento competente”. Puxa, eu não fazia ideia que um deputado tinha um departamento de federalismo… Acreditei, na doce ingenuidade que ainda vejo em tantos brasileiros, de que alguns políticos aproveitariam a ideia para levá-la adiante e até mesmo entrar para a História, minha missão estaria cumprida. Ledo engano, as amarrações políticas e partidárias são tantas, que é impossível que isso ocorresse. E creio que continua assim.

Em 1993 lancei um livro, chamado Brasil Confederação, com prefácio do jornalista Alexandre Garcia, em um evento na Assembleia Legislativa do Paraná, que me surpreendeu pela movimentação. Queria com o livro, mostrar outros exemplos de federalismo no mundo e explicar porque o Brasil chegou a essa situação. O livro acabou me levando para uma palestra em Brasília, agendada pelo então deputado federal pelo Paraná, Edi Siliprandi. Ele conseguiu que 14 deputados e três senadores comparecessem. Expus o tema por cerca de 20 minutos e, fui surpreendido com o fato de que ninguém “deu bola”, começaram a falar de problemas políticos paroquiais, sem dar a mínima importância para o que fui expor. A segunda ficha havia caído: não será em Brasília que o processo de transformação se fará. Até porque eu tinha estado na Capital Federal por cerca de três vezes, para tratar de assuntos administrativos de empresas que eu atendia e aprendi que devia levar sempre, uma caixinha de “engov” para aguentar aquele clima pútrido de corrupção. Nem vou comentar o que tive que ver, mas foi o suficiente para desmontar o departamento que eu tinha para o atendimento de tais empresas, meu estômago não poderia ser submetido a isso por dinheiro nenhum.

Percebi que precisava criar uma entidade e, com amigos da Câmara Junior Empresarial e mais alguns externos fundamos o MBC – Movimento Brasil Confederação. Criamos um tabloide, com matérias e artigos muito bons, incluindo entrevistas com alguns governadores e ex-governadores, dentre os quais, Jaime Lerner, Alvaro Dias e José Richa. O assunto – federalismo – era constantemente abordado nas reuniões semanais da Associação Comercial do Paraná, da qual faço parte, e começamos a criar núcleos federalistas por vários lugares do Brasil. Mas, sem dinheiro, passando por graves situações, tendo que lutar muito para sobrevivência pessoal, tive que ser muito comedido nas ações. Com o tempo, aprendi que o imediatismo – um traço cultural e comportamental de nosso Povo – mata qualquer projeto em andamento que não tenha resultados imediatos. E o MBC parou. Mas eu continuei, fazendo o que era possível, ainda que minimamente.

Em 1996, alguns amigos do Rio e SP convenceram-me a iniciar os trabalhos para se criar um partido político. Eu nem queira saber disso até então. Mas os argumentos e a experiência já acumulada deixaram claro que não haveria outro jeito de se implantar um dia o federalismo pleno das autonomias estaduais e municipais, senão através da política eleitoral, único meio de se legitimar projetos e ideologias. Comecei os trabalhos nessa direção e em 1999 registramos o Partido Federalista como pessoa jurídica de direito privado em cartório de títulos e documentos de Brasília, assim como, por exigência da Lei dos Partidos, publicamos os atos constitutivos no Diário Oficial da União. Ainda neste ano, decidi convidar o Dr. Herbert Levy, fundador da Gazeta Mercantil e ex-deputado federal, uma lenda viva na época, para ser o presidente de honra e ele aceitou, depois da minha primeira visita a ele, em São Paulo. Entusiasmado, apesar dos seus 87 anos, tratamos de começar a formar o partido. Mas, com a morte dele em 2002 (a Carta de Janeiro daquele ano foi dedicada a ele), muitos se afastaram, quando descobri que, na verdade, estavam orbitando em torno dele, com interesses fisiológicos e políticos, e não do federalismo.

Desde então tivemos várias experiências para formar o Partido Federalista e aprendi muito, conhecendo cada vez mais como funciona a política, a cabeça das pessoas, os interesses, as ambições, as ganâncias, enfim, a natureza humana. Assim, “aos trancos e barrancos” chegamos ao ponto em que o Partido Federalista é cada vez mais uma realidade. Isso é apenas um “resumo da ópera”, faria um livro sobre essa história até aqui, quem sabe mais adiante faça isso, mas o que quero registrar é que o tempo que foi demandado até agora não estava planejado. A cada ano que se encerrava ou se iniciava, eu acreditava que “iria acontecer” que decolaríamos de vez, o que não ocorreu. E posso afirmar que foi muito bom que não decolamos, porque não estávamos preparados. Estamos agora? No mínimo estamos bem mais próximos desse ponto. A criação do novo Estatuto, que consolidou tudo que pude aprender, observando tudo, desde partidos políticos a políticos, governos e o Povo, comportamento cultural e realidade global com suas cada vez mais rápidas mudanças tecnológicas e sociais, “das muitas fichas que foram caindo”, demonstra que estamos muito mais próximos da meta, que é chegar a todos os corações brasileiros, para que estes decidam, em um processo eleitoral, o que querem de fato para o Brasil. Tenho por certo de que nada é por acaso quando se tem um propósito firme, persistência e determinação, pois mesmo que não se saiba como é toda a estrada até que se chegue lá, sabemos que a estrada que tomamos segue rumo ao destino traçado. Ao longo da mesma, superaremos os problemas e o desconhecido, mas continuaremos, como sempre foi, ao longo desses 17 anos, adiante.

Poderia ter desistido como muitos desistiram, cuidar apenas da minha vida. Fiquei sozinho algumas vezes. Até pensei em desistir em algumas delas. Mas para mim só restavam duas opções: mudar o Brasil ou mudar do Brasil. Brasileiro que sou, o amor que tenho por essa Pátria, restou-me apenas a opção de mudar o Brasil. E a adoção dessa opção está sendo premiada com a chegada de cada vez mais pessoas maravilhosas, realmente interessadas em também mudar o Brasil. É fantástico perceber como tem gente que também quer mudar e não se mudar daqui. Essas pessoas, em vários estados e dezenas de municípios estão se juntando ao Projeto Federalista. Percebo que o Brasil está quase maduro para o Federalismo. A noção do centralismo é cada vez mais patente e a solução federalista se encaixa como uma luva para a solução de tantos problemas nacionais, de tanta injustiça, de tanto relativismo moral, de tanta corrupção e impunidade, de tanta escravidão econômica e social que se impôs sobre cada brasileiro. Você consegue conviver com isso tudo e não fazer nada? Eu não consigo, mas também evito de me contaminar, para que sobrem forças para o combate objetivo à causa dos problemas, que é, afinal, o modelo de (des)organização do Estado Brasileiro. Aprendi há muito tempo que não adianta apenas focar energias sobre os efeitos, há que se ter muita objetividade, identificando o verdadeiro inimigo que é esse modelo. E criar o tanque de guerra para derrotá-lo. Esse tanque é o Partido Federalista. Por isso demorou tanto para construí-lo, porque deve ser forte o suficiente para manter sua integridade de propósitos, não se deixar levar pelas situações geradas em face da essência da natureza humana, que tem seus defeitos. Mais do que simples retórica, o Programa Partidário e o Estatuto não deixam margem a duvidas, como menciono na Carta de Setembro.

Falta pouco! Independentemente das ações que já ingressamos no Tribunal Superior Eleitoral, que não respeita a Constituição, e das ações que continuaremos no STF, estamos colhendo as assinaturas de apoio e formando comissões provisórias, identificando e preparando lideranças que conseguiram controlar a ansiedade do imediatismo. As coisas, então, estão se articulando sincronizadamente. Nada é por acaso, tudo conspira a favor do Brasil e do Povo Brasileiro, porque cada vez mais gente quer o federalismo. E cada vez mais gente está fazendo acontecer.

Quando comecei isso em 17.10.1991 não sabia que iria levar tanto tempo. Sequer pensava em fazer um partido político. Mas aprendi que as mudanças que se pretende fazer, quando tão grandes, devem ser preparadas com paciência, superando todos os obstáculos que se apresentarem, um por um, cada um por sua vez. Acho que a pergunta feita no título está respondida nesta carta. Mas eu pergunto a você, que me dá a honra de sua leitura: – e agora?

Carta de Thomas Korontai

Veja também  esta entrevista de Thomas

 

“É mais fácil fazer grandes mudanças do que as pequenas”

Sir Francis Bacon